Olhando do espaço vemos o azul como cor dominante no planeta, a mesma cor que ansiamos encontrar noutros planetas com a esperança de não sermos uma espécie de fenómeno excêntrico do universo. Afinal toda a vida que conhecemos depende desse elemento que tanto prazer dos dá, seja ao beber, como em refrescantes banhos no rio ou no mar. Parece até de propósito que a proporção de água no planeta seja idêntica àquela que temos no nosso corpo, em ambos os casos constituídos em 70% por água.

Devia-nos por isso intrigar mais porque é que num planeta com tanta água existe tanta seca e tanta dificuldade de acesso a água. Agua não falta, mas falta muitas vezes chuva, sobretudo causada por uma perturbação do ciclo hidrológico sobre o qual não poderei proclamar grandes afirmações por falta de tempo para investigar mais sobre esse fenómeno. Mas posso com toda a certeza fazer outro tipo de afirmações.

Em primeiro lugar posso afirmar que andamos a tapar o sol com a peneira, quando colocamos a tónica do problema da água no consumo doméstico. Repetidamente nos órgãos de comunicação social, desde políticos a jornalistas repetem que precisamos de poupar água. Verdade! Mas onde? No banho, na água para cozinhar ou lavar os dentes?! Quem fala de cerca de 70% do consumo de água dar-se na agricultura, na produção de alimentos? Sobre isso pouco ou nada se ouve e muito menos se faz.

O olival intensivo e de regadio continua a crescer no Alentejo e o modelo de amendoal catastrófico da Califórnia já está cá. No Algarve a moda do abacate pegou de estaca e veio colocar ainda mais pressão nos aquíferos, competindo com as gotas de água dispensadas pelos aspersores dos campos de golfe.

Em bom rigor em Portugal ninguém sabe dizer quanta água é extraída pelos agricultores do pais, nem quando. Assisti incrédulo como durante duas horas um canhão de água regava um campo de milho enquanto faziam 35 graus, e sobre isto nada se faz e tudo é possível, porque cada pessoa com um furo de água gere um bem-comum como fosse apenas seu.

Depois disso existe a nossa alimentação. Um kg de carne de bovino consome cerca de quinze mil litros de água, um kg de arroz pelo menos uns mil litros, e um kg de legumes cerca de trezentos litros. Quer dizer que se reduzir o consumo de carne em dois kg num ano, reduzir o consumos de arroz em dois kg e aumentar em quatro kg o consumo de legumes num ano, economizo mais água do que qualquer possível esforço de poupar água na torneira, para além de estar a ter uma alimentação mais saudável.

Os últimos dias de chuva trouxeram um sinal de alivio e esperança, pois a preocupação que me assola é ter água para comer. Sendo esta uma seca que se tem manifestado a nível global o risco é termos uma crise alimentar a nível global.

É urgente por isso em primeiro lugar, regulamentar e introduzir a medição dos consumos de água na agricultura, pois sem dados é impossível gerir os consumos de água de forma correcta. É preciso formar e apoiar a introdução de tecnologias eficientes de rega, assim como boas praticas de gestão da água. É essencial condicionar modelos de produção insustentáveis, que não são mais do que modelos de extração e de degradação dos recursos naturais. É urgente promover a identificação e rotulagem da pegada hídrica nos alimentos. E muito mais ainda se pode fazer...

Num contexto de alterações climática a nossa alimentação terá de se adaptar para ser menos exigente em água e isso ninguém nos tem dito, nem sequer explicado como o podemos fazer.

Afinal, não se esqueçam que a maior parte da água que usamos não é para beber, mas para comer