O campo e a cidade conheceram-se quando ainda eram muito jovens, crescendo juntos, cada um na sua liberdade, percebendo que se complementavam e que a sua vida e bem estar dependia um do outro. Até que a cidade começou a receber mais atenção, a sua oferta cultural, a sua actividade económica, as oportunidades, o deslumbramento dos edifícios e do estilo de vida que oferece concentraram tanta atenção dos seres humanos, que hoje por todo o planeta já 50% de toda a população vive na cidade. Nas zonas mais desenvolvidas do planeta este número pode ultrapassar os 70% ou chegar mesmo aos 80%. Do outro lado ficou o campo, que continua a cumprir a sua missão na relação matrimonial. Todos os dias o campo disponibiliza à cidade os serviços de ecossistema que sempre lhe ofereceu gratuitamente, a regulação do clima, a água, matérias primas e aprovisionamento alimentar são apenas alguns exemplos. Na cidade lembramo-nos por vezes do campo, e lá vamos numas férias, fugazmente dar um miminho e regressamos com sensações de paz, relaxados e muitas das vezes a sonhar como seria bom estar perto da natureza, viver de forma menos agitada, mas é tudo! Em poucos dias estamos novamente a dedicar toda a atenção à cidade e atraídos por todo o seu glamour. Pouco a pouco o campo foi ficando de parte, pouco a pouco a cidade foi voltando as costas ao campo e apesar de nesta relação não existir divorcio possível, a relação é cada vez menos equilibrada, e mesmo a cidade, sem o saber fica a perder.

Sendo um fenómeno global, em Portugal o campo perde força desde os anos 60, perde pessoas, perde economia, perde influência política e todos sabemos como uma relação se deteriora quando uma das partes passa a estar numa posição de submissão, num lugar de menor importância, num lugar de fragilidade. É importante reequilibrar a relação para que ela seja saudável e para que cidade e campo de facto sejam "felizes" e tenham oportunidade de crescer e evoluir. Para isso o campo não pode ser abandonado, não pode ficar de lado nas nossas atenções e se é na cidade que se concentram todas as atenções, então que seja a partir da cidade que agimos, para que o campo seja preservado e valorizado. Quando a cidade passa a ter a maioria das atenções, quando concentra em si grande parte da economia, do poder político, da população, etc...será por ventura sua função zelar pela eterna e necessária companhia do campo. Não o fazendo de forma paternalista, nem submetendo o campo à dependência, mas promovendo a sua sustentabilidade e autonomia e compreendendo que a cidade será, tambem ela, grande beneficiaria, pelos serviços de ecossistema que o campo lhe oferece.

A cidade é absolutamente fundamental para o campo, oferecendo-lhe mercado, oportunidades, animação cultural, inovação e muito mais, porque, nesta relação, não há um que seja mais importante que outro, apenas a necessidade de reconhecer, que ambos são interdependentes e necessitam de atenção. Sendo uma relação que tem vivido de costas voltadas, há que encontrar novamente o que as une, há que voltar a dialogar e possivelmente esse diálogo será apenas possível através da mediação "terapêutica" daqueles que dentro de si nasceram no campo, viveram na cidade e nunca perderam a ligação às suas origens ou aqueles que nascendo na cidade, optaram pelo campo e compreenderam o seu valor. No fundo os terapeutas desta relação poderão ser aqueles que compreendem e têm dentro de si ambos, campo e cidade.

Nesta estória, explica-se a necessidade de investigar e encontrar caminhos e soluções e é esse caminho que está a ser traçado.

Termino com uma frase de William Jennings Bryan que me acompanha: "Burn down your cities and leave our farms, and your cities will spring up again as if by magic; but destroy our farms and the grass will grow in the streets of every city in the country"