Nos telejornais, assiste-se à telenovela dos incêndios. Entrevistam-se cidadãos comuns, cavalgando a onda emocional que a catástrofe traz com as letras gordas em rodapé. Assisti ao telejornal e não houve uma única entrevista ou questão dirigida a políticos, especialistas, bombeiros… só a desgraça de quem desesperadamente tenta salvar o que ganhou com o seu suor. Isto é jornalismo? Pergunto, assumindo ignorância no assunto.

Não faria sentido ver os jornalistas perguntar: Que impacto têm estes incêndios? O que está em causa? Como isto acontece? Quem tem responsabilidade? O que precisa ser feito? Porque não agimos? O que condiciona o poder político na tomada de decisões? Enfim, seria por aqui o tipo de perguntas que gostaria de ouvir, em vez de:

— Perdeu a casa?

— Como se sente?

— Como foi viver este momento?

Enfim… perguntas vazias, sem qualquer objetividade sobre o problema.

Como integro a equipa da Terrafarmers para trazer soluções avançadas de tecnologia drone para o restauro de ecossistemas, e onde temos um particular foco na intervenção pós-incêndio, mantemos uma base de dados atualizada sobre os incêndios e fui fazendo umas contas.

62 municípios, de um total de 308, já tiveram algum tipo de incêndio este ano, o que representa mais de 20% da totalidade dos municípios.

Estes municípios totalizam 25 222,05 quilómetros quadrados, o que representa mais de 27% dos 92 152 quilómetros quadrados que Portugal tem.

Nestes municípios vivem quase 1,65 milhões de pessoas, o que representa mais de 15% da população portuguesa.

Até 19 de agosto, data da minha última verificação, arderam aproximadamente 213 mil hectares, o que equivale a 2130 quilómetros quadrados. Ou seja, 8.44% da área dos municípios afetados.

E muitos outros dados seria importante perceber: Quantos deputados valem estes municípios, quem são e o que estão a fazer pelos territórios onde foram eleitos? Quanto contribuem estes municípios para o PIB nacional? Qual o valor económico perdido? Qual o valor perdido em serviços de ecossistema? Quanto será preciso investir para recuperar as áreas ardidas?

Não seriam estas questões mais importantes para o jornalismo português?

Perto de 500 milhões de euros são atirados para cima do problema todos os anos, mas quais os resultados obtidos?

Compreendendo que não haverá soluções milagrosas, parece-me no entanto que que algumas coisas simples deveriam ser feitas.

Do lado das restrições: Desde logo, estabelecer uma regra de distância dos povoamentos florestais, com espécies que representem um maior perigo em caso de incêndio, em relação a zonas habitadas. Impossibilitar a instalação de eucalipto, e outras espécies de maior perigo em caso de incêndio, sem estarem devidamente integradas num plano maior de gestão e manutenção florestal. A floresta ao abandono tem de acabar.

Do lado dos apoios: Concordo com o engenheiro Jose Martino : apoie-se com um valor por hectare/ano a gestão da floresta. Apoiem-se sapadores florestais e pastores. Mas iria além! Instalem-se faixas de floresta com características mais resistentes ao fogo em volta das zonas habitadas, previligiando as folhosas que criam uma manta morta e retêm um maior teor de humidade no solo, atrasando qualquer incêndio. Desenhem-se zonas agrícolas em redor das aldeias, especificamente para pastoreio, e apoie-se a produção animal em regime extensivo, associando esse regime a práticas sustentáveis e de fertilidade do solo. Isto para dar apenas alguns exemplos de tantas outras medidas possíveis.

As soluções existem. Caso contrário, resta-me concordar com o que disse a professora Helena Freitas na SIC Notícias… demitam-se todos!

Será que o país que arde não importa?